À mesa com os alemães


Já dizia o provérbio: uma vez em Roma, faça como os romanos.

Não é diferente em Brasília, Vancouver, Buenos Aires, Berlim ou qualquer outra parte do mundo. Cada cidade, estado ou país tem hábitos locais que representam sua identidade e que, invariavelmente, podem surpreender, bem ou mal, os forasteiros.

O jeito - e o mais apropriado - é se adaptar. Afinal, em pleno século XXI, apesar da persistência de algumas culturas que ainda se consideram dominante, não é mais de bom tom impor seus costumes  sobre os demais. Em algumas situações, o novo manual de etiqueta - editado e amparado pelas patrulhas da internet - nos ensina a reconhecer e, quem sabe, incorporar (na medida em que nos apetecer) o modo de viver dessa ou daquela comunidade que nos acolhe por um determinado período ou por toda a vida. Não se trata de perder toda a sua identidade em detrimento de outra, não. Como enunciado logo no início da postagem, em outras palavras, convido o leitor e a leitora a "dançar conforme a música", em seu melhor sentido.

Por exemplo, depois de anos convivendo com alemães, observei alguns hábitos peculiares em um espaço que nós, brasileiros, gostamos muito: à mesa. Seja ela em casa, no restaurante ou no bar; entre amigos, colegas de trabalho ou vários desconhecidos... E vim aqui contar para vocês que, desconhecem ou ainda não perceberam certas interações, por vezes quase imperceptíveis, que podem haver diferenças até em coisas simples, como na forma de ver a água (como disse aqui)!

A leitura é um pouco longa, mas acho que vale a pena! Depois me conta quais são suas experiências ou o que achou!

Em local público


Os alemães gostam muito de se reunir com seus amigos para tomarem uma cerveja ou comerem juntos; caso você seja convidado(a) para integrar um desses encontros em um bar, café ou restaurante, com um grupo de pessoas cuja maioria não conhece é importante saber algumas coisitas.

Por exemplo, se ao chegar todos(as) já estiverem sentados(as) à mesa, você tem a opção de dar um alô pra todo mundo com um aceno de mão enquanto diz Hallo zusammen ("oi, pessoal"); deixe para cumprimentar com abraço e beijinhos, dependendo da intimidade, aqueles que realmente conhece. Rola de dar uma volta pela mesa e oferecer um aperto de mão a cada um, mas prefiro a primeira opção, que é totalmente aceitável. Ao sair, faça o mesmo: acene para quem ainda estiver por ali para se despedir de forma genérica e reserve os beijos e abraços para os mais próximos.

É claro que há exceções e mesmo alguns menos chegados vão acabar ignorando um cumprimento mais formal e partir para um abraço (não muito apertado) mesmo que você seja um(a) estranho(a).  Nestes momentos, até eu fico um pouco desconcertada (sou de Brasília, gente), então, o melhor é esperar ele(a) dar o primeiro passo antes de se mostrar muita afetividade brasileira. Só tenha em mente que alemães mais calorosos viajaram muito e têm contato com pessoas de países com esses hábitos. 

Aliás, evite que aconteça de chegar bem depois de todo mundo (apenas em casos excepcionais e previamente avisado); em geral, chega-se mais ou menos ao mesmo tempo em encontro com amigos, como aniversário, mas na hora marcada nas demais ocasiões.

Antes de ir ao banheiro, avise.

No Brasil, ou pelo menos em Brasília, quando você quer ir ao banheiro, não precisa sair falando pra ninguém, não é verdade? Bom, em geral, o simples ato de se levantar da mesa, sem seus pertences, significa que você vai ao toalete. Aqui na Alemanha as pessoas costumam dar um sinal, tipo, dizendo bem claro "vou ao banheiro". Quando comecei a encontrar com alemães em bares ou lugares do tipo, eles ficavam desesperados quando eu saía sem avisar para onde ia. Depois, acabaram se acostumando claro e perdi o hábito. Mas uma vez de volta ao país da batata, a regra volta a valer (nem sempre... às vezes vou sem dizer nada e a intenção fica subtendida - é o instinto!). É claro que devem existir as exceções... na dúvida, observe como seus pares se comportam e simplesmente imite!

Cada um paga e bebe a sua cerveja




Uma das coisas que alemães, americanos e britânicos sempre comentam comigo - e quem viaja para o exterior sabe disso - é como acham bacana o fato de no Brasil poder comprar uma garrafa de cerveja e dividir com a galera na mesa para no final rachar a conta (ratear o valor total por aqueles que consumiram). Paga-se individualmente somente aqueles pedidos particulares, como um hambúrguer ou um drink que se consume sozinho.

Na Alemanha, o garçom pergunta de cara o que cada um da mesa quer beber - uma caneca de cerveja, uma taça de vinho... Ao final, ele pode perguntar se a conta é zusammen (junta) ou getrennt (separada), mas isso normalmente acontece em um restaurante, porque no boteco ele vai se dirigir diretamente a você e contabilizar o que você consumiu. Não se esqueça de dar Trinkgeld (gorjeta): a maneira mais fácil é arredondar o valor; se deu €15,50, peça para cobrar €16. Se alguém tiver lhe convidado(a), bem, ele ou ela pagará sua parte, o que não acontece com tanta frequência.

Em casa


Alemães gostam tanto de se reunir entre amigos para cozinhar que até têm um substantivo para isso: Kochenabend, que significa "noite para cozinhar". Então, é de se esperar um convite para comer na casa de amigos; cozinhando juntos ou não, aqui vão algumas dicas!

Seja pontual

Uma vez que você foi convidado(a) para um jantar, almoço ou lanche em um local reservado como a casa de alguém, certas formalidades podem ser esquecidas, pois significa que você ganhou a confiança de um alemão! Mas... isso não quer dizer que ter certa familiaridade com as pessoas que irão lhe receber em casa dispensa de chegar pontualmente. Caso o atraso seja inevitável (sabemos que o transporte público não é essa perfeição toda que dizem por aí e que, no início, brasileiro demora mais para se adaptar à rigorosidade da pontualidade), avise com antecedência, dê a hora aproximada que chegará. Se não o fizer, seus anfitriões vão reparar, mesmo que sejam amigos do peito. E vão soltar piadinhas, no estilo alemão. Se chegar antes, espere do lado de fora até dar a hora. É sério. Alemães se preparam mentalmente para receber visitas e se você tocar a campainha antes do local marcado, eles podem se desesperar com aqueles 10 minutinhos que contavam para terminar de cortar a salada, se arrumar, arrumar a mesa...

Elogie

Pelo menos na região de Baden-Württemberg, no sul da Alemanha, é comum soltar comentários positivos durante a refeição, como das Essen schmeckt sehr gut! ("a comida tá muito boa!") ou Schmeckt mir gut! ([a comida] está gostosa!"). Convenhamos, não é à toa que você aprende essas frases no cursinho de alemão - realmente precisará delas. Se acontecer de você esquecer de elogiar (no meu caso, sempre), não se preocupe, sempre terá alguém para perguntar: Und schmeckt es? (e aí? gostou?). Frente à esta (sempre presente) pergunta, você pode responder com uma das alternativas acima. Outra possibilidade, se estiver entre muy amigos que não vão lhe interpretar mal, pode arriscar um Man kann essen, que significa "dá para comer". Ao contrário do que parece, não é mal educado, mas uma maneira bem humorada de dizer que a comida está muito gostosa! Ao final, agradeça e elogie de novo: Danke für das Essen! ("Obrigado(a) pela comida!) ou Danke! Es war sehr lecker! ("obrigado(a)! Estava muito gostoso!).

O que esperar?



👉Salada, legumes, sopa e prato vegetariano têm de 50% a 100% de chance de estar no cardápio. Uma parte significativa da juventude alemã é vegetariana ou vegana, então existe a real possibilidade de você continuar com saudades de comer carne em um jantar com alemães. Isto não é razão para preocupação, claro, uma vez que muitos por aqui sabem cozinhar melhor que chefs de vários restaurantes brasileiros.

Digamos que a receita do sucesso se deva, como dizem, à prática que, por sua vez, leva à perfeição: os jovens alemães saem de casa cedo, por volta dos 18 anos, e precisam aprender a se virar. Quem já morou em república sabe que não dá para sobreviver todo dia à base de pizza, lasanha e hambúrgueres. A diferença é que eles não contam no orçamento com diaristas e muito menos cozinheiras, como vejo nas comunidades de moradia compartilhada no Brasil. O jeito é colocar literalmente a mão na massa. A escolha por pratos que levam legumes e vegetais, além de ideologia, talvez seja porque são mais rápidos, práticos e baratos de se preparar e a qualidade da carne bovina por aqui parece inferior - assunto para outra postagem.

👉Não sei como é na sua região, mas de onde venho, evita-se assoar o nariz na frente dos presentes, ainda mas quando se está à mesa e quiçá com um lenço. Já perdi as vezes em que estava comendo e começava a sessão de limpar o nariz à minha volta. Aliás, usar lenço, apesar de parecer mais apropriado, sequer é comum, até onde eu saiba, em grande parte do Brasil. Bom, já na Alemanha, muitos alemães (se não todos) sempre têm consigo um pacote de Tempo (nome de uma marca de lenços, mas usada genericamente) e o usam ao menor sinal de um nariz congestionado, independente de onde quer que estejam. Aí eles amassam o papelzinho (de muito boa qualidade, inclusive) e colocam de volta no bolso, para ser reutilizado. Eis outro hábito que ainda não consegui aderir totalmente - sempre sou vista com mal olhos quando julgo inevitável o uso de lenço, mas ao invés de guardá-lo, jogo imediatamente no lixo.

A gente respira fundo e joga nas costas do relativismo cultural. Eles também acham bem nojento que algumas culturas prefiram aliviar a coriza engolindo o muco nasal (que é até considerado mais saudável). Escrevi bonito assim para parecer menos nojento. 😅

👉 Evite o desperdício, mas não se preocupe tanto em comer tudo se não estiver a fim. Pode ser que leve um desconto por ser estrangeiro... Mas dependendo da cidade onde estiver, por exemplo, naquela(s) afetada(s) pela escassez de alimentos na guerra (leia-se Leipzig, Berlim, Dresden etc.), é possível que algum amigo local pergunte se ele pode terminar de comer o que sobrou. Absolutamente normal: essas pessoas não condenam, mas também não gostam de ver comida ir para o lixo. Presenciei situações em que, em mais de uma dessas cidades, colegas pegavam qualquer pedaço de comida que caia no chão e rapidamente o levavam à boca; já no sul e sudoeste da Alemanha (mais abastados), o destino geralmente é o lixo.

👉 coma 🍕 com as mãos. Eu sei, muito de vocês comem com a mão, mas muitos também usam talher. Só achei importante dizer porque vai que você é como eu... No meu caso, ouvi que sou pingelig que significa... bem, uma pessoa que gosta, por exemplo, de usar talher para tudo, assim como guardanapo... que é outro item raro. Em suma: "cheia de frescurites" 😆.

👉 Falando em talher e, para fechar, quando for comer macarrão, é comum que ofereçam uma colher, além do garfo. Significa que, quase como consenso, alemães usam a colher como apoio para enrolar o macarrão com o garfo. Lembro que a primeira vez que vi isso por aqui fui até pesquisar se estava comendo errado a vida toda - ainda bem que descobri que não (veja aqui)! Hoje em dia, dispenso a colher e uso somente o garfo.


Bônus

Se for a primeira vez na casa dessa(s) pessoa(s), é legal trazer uma pequena lembrancinha, como flores, chocolates, vinho ou um prato preparado por você mesmo(a), como uma sobremesa. 

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