Isaiah Lopaz é mais um artista afroamericano que decidiu se mudar há dez anos para a cosmopolita Berlim, a qual, depois de Sao Paulo, foi uma das únicas cidades até agora a me passar a sensação de diversidade, ou seja, lá se vê de tudo e todos. Infelizmente, também não escapa do senso comum encontrado em qualquer parte do mundo, inclusive no que toca ao racismo.
Depois de escutar, repetidas vezes indagações sobre onde ele vem, digo, de onde ele realmente vem e ser confundido mais do que o normal com vendedor de drogas, ele cortou o cabelo por acreditar que portar um afro aumentava a associação. De fato, depois de passar a tesoura na bela cabeleireira, a qual amigos próximos muito lamentaram pela perda, menos pessoas pararam de segui-lo na rua ou aborda-lo em busca de algo ilícito, mesmo amigos de conhecidos.
Lopaz relata, ainda, que faz contato visual com um homem branco ou uma uma mulher branca pelo menos uma vez por dia e o que observa é que ele ou ela segura suas coisas com mais força quando se dão conta da presença dele. Para Lopaz, "existe uma ideia de não se deve confiar em pessoas de pele negra; de que pessoas de pele negra são criminosas, ladras, depravadas. Nós, negros, não temos essa percepção das pessoas brancas. Nós, como negros, não temos objetividade. Somos julgados com base em estereótipos".
Outra forma de tentar inibir, e de quebra conscientizar a sociedade berlinense do comportamento inapropriadamente racista de alguns dos seus conterrâneos, foi por meio da arte: Lopaz começou a confeccionar camisetas com estampa das frases racistas que ouvia.
Lopaz relata, ainda, que faz contato visual com um homem branco ou uma uma mulher branca pelo menos uma vez por dia e o que observa é que ele ou ela segura suas coisas com mais força quando se dão conta da presença dele. Para Lopaz, "existe uma ideia de não se deve confiar em pessoas de pele negra; de que pessoas de pele negra são criminosas, ladras, depravadas. Nós, negros, não temos essa percepção das pessoas brancas. Nós, como negros, não temos objetividade. Somos julgados com base em estereótipos".
Outra forma de tentar inibir, e de quebra conscientizar a sociedade berlinense do comportamento inapropriadamente racista de alguns dos seus conterrâneos, foi por meio da arte: Lopaz começou a confeccionar camisetas com estampa das frases racistas que ouvia.
Você está com a gente?
Achei que fosse um vendedor de drogas!
E quando você vai voltar (para seu país?)
Vou fazer uma festa.
Você pode trazer comida africana?
A iniciativa chamou atenção e Lopaz deu uma entrevista para o The New Your times, comentando sobre algumas das histórias por trás das frases. Traduzi parte delas abaixo, mas você pode ler a matéria completa aqui (em inglês).
De onde você realmente vem?
Os avós paternos e maternos de Lopaz fizeram parte da leva de afroamericanos que deixaram o sul em direção a outras partes dos Estados Unidos na primeira metade do século xx. Seus pais cresceram na mesma rua em Los Angeles, onde ele nasceu e foi criado. Com isto em mente, mas contraposto aos dizeres na camiseta, Lopez conta que era muito estranho ser perguntado o tempo todo de onde ele realmente era. O que as pessoas queriam ouvir era que ele dissesse que vinha da África. Acontece que ele não podia dar essa resposta por várias razões. Uma delas é que ele não vem da África. E isso acaba lhe trazendo certa dor também, pois nunca lhes (nos) foi dada a chance de saber de onde realmente eles vêm (viemos). Além do mais, ele vem de uma família bastante multicultural: três dos seus avós eram parcialmente nativo americanos. Ou seja, alguns dos seus ancestrais construíram os Estados Unidos enquanto outros já estavam lá antes da colonização. Lopez afirma que é claro que ele tem ancestrais da África, mas, em sua opinião, isso nega o impacto e a cultura que ele, como afroamericano, criou.
Você não tem cultura porque você descende de escravos.
De carona com a história anterior, Lopez relata a origem de uma das camisetas quando, em 2011, conheceu duas alemãs em um bar em Berlim. Uma delas, diretora de uma escola primária, começou a tentar adivinhar de onde que ele era e argumentando que o Estados Unidos não era um país antigo o bastante para ter sua própria cultura (lembra do que ele disse sobre reafirmar a cultura afroamericana?). Por fim, ela disse que ele não tinha cultura alguma, porque ele vinha de escravos.
Esta foi a pior coisa que Lopez já ouvir em termos de raça.
Como um negro, ele não representa, para a maioria dos alemães, alguém que pode fazer parte da sua sociedade. Ele diz que há tanto uma resistência em acolher estrangeiros negros quanto em fazer os cidadãos negros se sentirem à vontade (concordo em certa medida aqui, mas será motivo para outra postagem).
Para Lopaz, ele pode passar o teste de cidadania (exigido na Alemanha para quem deseja adquirir a cidadania, com mais de 300 questões sobre o país e a cultura), ele pode se tornar um cidadão alemão, pode conseguir o passaporte alemão, pode falar alemão fluentemente, mas não se vê jamais ser aceito como um alemão.
Embora tenha encontrado seu melhor amigo na Alemanha, considerar Berlim a sua cidade, ter um lugar para morar e feito seu nome, Lopaz não acha que vê ali no longo prazo porque aspira algo mais: em outras cidades, é apenas mais um na multidão.
Nao sabia que você é gay. Você é negro.
Apesar de ter trabalhado inúmeras vezes na cena noturna do meio gay de Berlim e exposto suas obras em galerias de arte da cidade comandadas por este público, Lopaz, que é gay, acredita que o que impede outros gays de reconhecerem sua sexualidade é a cor da sua pele. É o tipo de experiência que ele só teve até agora na Alemanha, quando, por exemplo, vai para uma boate gay e é confrontado com a pergunta se ele sabe que a tal boate é gay ou, ainda, depois de uma longa conversa com um cara em um bar, a pessoa se vira em um determinado momento e diz: "ah, você é gay?!".
Em geral, ele sente que não há espaço para sua negritude, a tal ponto que desistiu de ir a locais de cultura queer ou gay por ter que lidar com as microagressões, o racismo. Estes ambientes se abstêm até mesmo de tocar hip hop de homens negros, porque os promoters alegam que as letras são muito sexistas e agressivas. Em outras palavras, ou nas próprias de Lopaz, o que se faz aqui é colocar todo artista no mesmo saco daqueles conhecidamente machistas ou homofóbicos.
Um criolo é o mesmo que um nazista
Por mais absurdo que ainda seja, de certa forma não há nada novo sob o sol (o que não quer dizer que não deve ser combatido) quando alguém se aproxima de uma pessoa negra portando um afro com a mesma casualidade de quem perguntaria as horas, mas ao invés, se ele ou ela tem drogas.
Há ainda um longo trabalho pela frente no sentido de fazer parte da sociedade que já aceitou que existem gays, entenderem que nem todos são o Neil Patrick Harris.
Não menos importante, e muito graças ao levante da nova juventude negra, com a ajuda das redes sociais, aos poucos se fortalece e informa sobre a cultura negra, há séculos considerada sem alma.
E, no entanto, como se já não houvesse formas de racismo o suficiente para se combater, eis que um ex colega de trabalho de Lopaz disse que ser chamado de negro, ou nos termos que o colega usou crioulo, não era tao ruim, afinal, era equivalente a nazista.
Bom, parece-me, aqui, mais um exemplar daqueles defensores da heterofobia... Então, nem vale a pena dar muito pano pra manga, como dizem por aí. O interessante é que esse comentário tem raíz em um desabafo de Lopaz para o colega sobre um incidente que aconteceu em um bar gay onde ambos trabalhavam: durante uma sessão de discotecagem, um dos clientes do bar insistia para que Lopaz, que era DJ, tocasse uma música da cantora Grace Jones, mas ficou com raiva por Lopaz não ter a música e soltou: "voce deveria ter (a música) porque você é negro". A discussão acabou aumentando e Lopaz decidiu reclamar com seu supervisor, que o presenteou com outro clássico: "racismo contra negros não existe", disse-lhe.
Sem alternativa, após dois anos de ouvir com frequência piadas racistas de clientes, Lopaz juntou suas coisas e foi embora, sem terminar a sessão. Foi demitido por "falta de profissionalismo". Porém, ele tem certeza: caso tivesse sido desrespeitado com um comentário homofóbico, a situação teria sido outra. Mas racismo, ah, isso não existe. Acontece que não dá para sempre ser o "negro bonzinho". Lopaz diz que isso está fora da realidade e recomenda a seus amigos que fujam dessa carapuça, da mesma forma que não ensinará seus filhos a serem submissos. Há direitos lá fora e eles devem ser respeitados - e mostrados que existem. Ao vestir as camisetas confeccionadas com o escancaramento desse comportamento sistemático, porém condenável, Lopaz está (nos) fazendo um grande favor.
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