Quando criança, minha mãe sempre fez questão que conhecêssemos a história dos pontos turísticos das cidades onde estivemos, de Pirinópolis a Porto Seguro. Talvez isso tenha despertado minha paixão por visitar museus e eventos da minha cidade. Mas não de outras.
Quando estive em São Paulo, meu anfitrião ficou decepcionado porque eu não quis ir ver o que estava rolando no MASP. Ele fez até um mapa.
O problema é que eu queria experimentar a cidade, nos poucos dias que tinha, da forma como ele vivia todo dia: andando de bicicleta até a USP, comendo feijoada no boteco da esquina com direito a uma dose de caipirinha, sentando no bar com cadeiras na calçada e discutindo política.
Se tivesse me deixado levar apenas pelo que essas revistas dizem sobre o "Melhor de...", provavelmente teria perdido um bar-tamanho-de-um-quarto onde tocam bandas de samba de primeira. O tal bar é tão apertado que eu fiquei na porta da geladeira, juntamente com a qual abria e fechava quando o garçom queria tirar uma cerveja. Mas e daí? O som era tão maravilhoso que nenhum recinto com 5 estrelas faria igual. Ali encontrei mais alguns turistas, estrangeiros, mas em sua maioria eram paulistas que sabem o que é bom nesta vida.
Outro lugar que tive o prazer de ir foi um barzinho a céu aberto, com plantas trepadeiras subindo pelas paredes, decoração com cara de que é feita aos poucos, na medida em que o/a dono/a encontra peças de seu agrado e pendura aqui e ali. Lembrou-me muito meu boteco favorito de Brasília, o Pinella. E quando fui parar em um pequeno reduto povoado por locais e turistas, claro, onde tocava choro e samba numa mistura deliciosa? Foi indicação de outro paulista que ama os estilos musicais. Para coroar, conheci o Jazz nos Fundos, um bar literalmente nos fundos de uma garagem com apresentação sensacional do estilo musical.
Por pouco não fomos parar no morro para ver o show do Criolo e por muito menos quase não me debandei para outro pico, onde rolava sambinha de fim de sábado, com feijoada e pôr do so. Tudo guiado pelos locais, aqueles que vivem e saboreiam a cidade de uma forma que você não vai encontrar nos guias turísticos, cujas estrelas não contemplam os copos sujos, o corpo a corpo, o olho no olho entre conhecidos.
Essas experiências me fez cada vez mais pedir para ver a cidade sob o olhos dos locais, ou seja, daqueles que moram ou vivem ali há algum tempo. Esta decisão me faz, de certa forma, esnobar os cartões postais, mas não tenho perdido em nada em compartilhar do modo de vida de quem conhece a cidade na palma da sua mão.
A certa aversão pelos pontos turísticos se deu pelo fato de que aí encontro sempre aquela mesma gente, sacando seus paus de selfie antes mesmo de apreciar o local e seus arredores, a razão pela qual se está ali. Lembro que quando estive em Strassbourg, depois de subir os mais de 100 degraus para chegar ao topo da Catedral, a primeira coisa que a maioria fez foi 'admirar' o lugar pela câmera do celular. Assim, você leva 20 minutos numa subida estreita para gastar 2 no seu destino? Há algo de errado nisso.
Mas quando a gente se põe a visitar lugares onde a vida das pessoas se passa normalmente, perdemos mais tempo tentando desvendar a graça daquele ambiente, a sua organização e a sua dinâmica. Muitas vezes, nem lembramos de registrar o momento com aparelhos eletrônicos, apenas com nossa própria retina, guardando-o na memória.
Foi assim que levada pela mão de locais conheci uma Berlim paralela, Göttingen do ponto de vista de um estudante e uma Rio em cinco minutos.
É claro que quando a gente chega nestes ambientes onde predominam conhecidos entre si, mas desconhecidos para nós, acaba gerando um certo desconforto: nosso jeito desengonçado de pedir cerveja ou olhar assustado por se dar conta onde se enfiou nos denuncia como 'penetras'. Vai pairar um certo silêncio no ar, com todo mundo te olhando, feito cena de filme de cowboy estranho adentrando uma taverna no faroeste. Mas não há nada de errado disso. Recomendo você a pôr a mão na cintura e dar uma piscadela, fazer de conta que é de casa e com sorriso de canto de boca pedir logo uma cerveja. Noventa por cento dos casos todo mundo cai na tua, a tensão dissipa e logo os locais se aproximam e te acolhem, com curioso interesse e animosidade, talvez por perceberem que foram escolhidos em detrimento de outros cartões postais.
É um experimento, porque não há previsibilidades: não vai ter aquele tratamento clichê diferenciado para turista - e você nem vai se decepcionar se for mal tratado porque aqui todo mundo é igual. Embora seja sempre bom ficar atento para não cair em golpe, afinal é nato de muito brasileiro, em contrapartida quando um local perceber a investida, vai te safar. E aí você vai ver como é bom "estar do lado dos bons".
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