Três hábitos que mudei na Alemanha



Quando se muda para outro país, a gente traz muita coisa na bagagem, tanto cultural quanto material. Lembro que quando estavas prestes a vir para Alemanha estava muito preocupada em incluir meus produtos para cabelo cacheado, pois achava que não iria encontrá-los facilmente por aqui (de fato, ainda é difícil achar o produto certo). Foi meu professor de alemão que me impediu, advertindo: "não vai adiantar muito, pois o pH e composição da água da Alemanha é outro: os produtos brasileiros não vão funcionar por lá". Acabei deixando-os de fora da mala. Seu conselho veio a calhar - como você verá abaixo, a água na Alemanha "é outra".

Bom, o tempo passa e, como no caso do xampu, nos desfazemos de algumas coisas ao passo que acrescentamos outras, adquirias no seu novo ambiente. Esta postagem é sobre como quase quatro anos vivendo na Alemanha redefiniu a bagagem que trouxe do Brasil. E, veja bem, estou falando de temas dogmáticos para brasileiros 👀.


Usar amaciante


Se você mora no exterior, faça o teste para detectar brasileiro: no mercado, observe quem abre as garrafas de amaciante para conferir o aroma, quem tem o produto no carrinho de compras ou mesmo em casa. Se avistar alguém que preencha uma ou mais das alternativas, tenha certeza que encontrou um compatriota. Mas, atenção: o teste não é 100% infalível. Afinal, é claro que outras nacionalidades compartilham da mesma opinião dos brasileiros de que usar amaciante nas roupas é essencial. Algumas talvez mais, outras com certeza muito menos, como é o caso dos alemães. E uma das justificativas frequentemente apresentadas para a aversão ao produto é a crença de que amaciante é um produto nocivo à saúde.

ALEMÃES ACREDITAM QUE aMACIANTE CAUSA DANOS À SAÚDE

Recordo-me ter participado uma vez de uma discussão acalorada no Brasil sobre a necessidade do suavizador de roupas. De um lado, eu e um amigo brasileiro batíamos o pé defendendo a incontestável utilidade do amaciante para suavizar e perfumar as roupas, facilitam até na hora de passá-las. Do outro, alemães rebatiam  alegando que além de não passar de um supérfluo, a fórmula do amaciante é prejudicial à saúde. O embate não terminou em 7 x 1 nem 0 x 0. Ficou o impasse, sem que nenhum dos lados fossem dissuadidos.

Tanto que quando me mudei de vez para Alemanha, continuei a fazer questão de comprar amaciante. Depois de uma vida inteira que é imprescindível para deixar as roupas mais macias e cheirosas, não seria fácil me desfazer de uma prática intrínseca de uma hora pra outra. Como uma boa sagitariana, tive que passar por diversas frustrações até aceitar que amaciante, afinal de contas, não é tão vital assim:

Em geral, as fragrâncias disponíveis na Alemanha são horrorosas (beiram ao odor de um desinfetante) e o líquido é ralo. Na TV alemã faltam propagandas com gente abraçando toalhas de banho felpudas para mostrar que minhas roupas precisam de carinho e cuidado. Pra completar, me vi em outra altercação com alemães sobre os males causados por amaciante: eles acreditam piamente que amaciante causa alergia à pele, entre outras complicações. E talvez venham mesmo razão: já é possível encontrar artigos tratando das substâncias nocivas presentes no produto. De fato, ainda não vi amaciante em nenhuma casa alemã a qual visitei.

Com o passar do tempo, o produto enfim sumiu da minha lista de compras. Já nem percebo ou sequer me incomodo se minhas roupas estão menos macias ou cheirosas. Hoje me questiono se, neste ponto, os alemães tenham razão: quem é que precisa de amaciante?

Comer carne


Desde que vim morar na Alemanha, reduzi consideravelmente meu consumo de carne no sentido de que não como todos os dias ou em todas as refeições, hábito que era comum no Brasil. Eis algumas das minhas motivações.

SABOR DIFERENTE

Na faculdade, uma professora que tinha morado algum tempo na Inglaterra comentou que a carne na Europa não tinha um gosto agradável. Sua teoria era de que os países europeus em geral são muito pequenos, logo os animais não dispõem das vastas áreas de pasto como no Brasil para o gado ficar - literalmente - pastando, logo, ficam restritos aos espaços espremidos dos celeiros. Em consequência, com a capacidade de mobilidade limitada, a circulação de oxigênio pelos músculos é menor, o que, por fim, altera o sabor da carne. Pesquisei sobre o assunto e sua teoria tem certa verdade, ainda que tenha lido artigos alegando que a alimentação do animal desempenha papel mais decisivo para determinar a qualidade da carne.

De todo modo, tenho que concordar com a professora no quesito sabor. A consistência, textura e suculência também deixam muuuuuito a desejar. Raro pedir um pedaço de bife no restaurante e ele vir acebolado, com pedaços de gordura - os alemães tiram toda a gordura! A gordurinha, gente... que pecado! Fui somente a um restaurante em todo este tempo de Alemanha onde o bife era decente e, vejam só, era argentino... 😅

Algo que me incomoda um pouco também e faz com que eu evite pedir carne em restaurantes é o tempero. Ao que parece, não deixam a carne "curtindo" no tempero. Já vi, obviamente, como alemães cozinham, e eles tendem a jogar o tempero só por cima da carne, quando ela está na frigideira ou antes de ir ao forno. Não existe todo o ritual de preparar a carne como no Brasil - ao menos, não conheço essa classe de alemães - algumas horas ou de um dia pro outro, perfurando-a para que absorva melhor o tempero. Isto contribui para que a carne servida seja sem gosto.

Muitos recomendam comprar carne do açougue alegando que o sabor e qualidade são melhores, uma vez que vem de fonte mais "bio". De fato, quando ainda estava no Brasil, uma estagiária brasileira-alemã contou que só comprava carne do açougue - nada de supermercados, muito menos aqueles conhecidamente baratos, pois além de não se saber a procedência da carne, certamente vem de condições muito precárias. Mas nem açougue, minha filha. Nem açougue nem mercado caro - a carne simplesmente não tem o gostinho brasileiro. Então, compro carne só de vez em quando - muito de vez em quando.

CONTRATO SOCIAL

Muitos alemães que conheço são vegetarianos, veganos ou consomem pouca corre. Isto significa que nossos encontros para cozinharmos juntos ou nas festas que frequentamos carecem de pratos com carne. É mais fácil ter opções para vegetarianos do que carnívoros (estes se contentam com embutidos como salames, salsichas e afins). Como já mencionado, além de ser um alimento caro, não faz tanta parte da dieta das pessoas com quem convivo assim que se tornou quase um contrato social coletivo de que não comemos carne - e não sentimos falta dela. Até mesmo nos "churrascos", as pessoas tendem a trazer as famosas salsichas alemãs (e pimentões, abacate, berinjela etc.) para assar no lugar de um pedaço de carne.

Há momentos, claro, que tenho uma vontade louca de comer carne, mas desaparece depois da primeira garfada e aguento semanas sem comê-la novamente. Faz-me perguntar: é realmente um alimento essencial tal como doutrinado no Brasil?

Tomar mais de um banho por dia


Este é um tema polêmico e com o qual, a exemplo dos demais acima, passei por uma luta interna por muito, muito tempo. 

TOMAR OU NÃO TOMAR BANHO?

Sempre ouvimos que europeu não gosta de tomar banho. Não vou concordar nem desmentir completamente, pois não vivi em todos os países desde pequeno continente. Uma coisa, porém, posso afirmar a partir de observações baseadas na minha convivência com pessoas que vêm de quase todos os 47 países que o compõem: a depender de onde, de leste a oeste ou norte a sul, os europeus tomam banho, sim. Apenas não na mesma frequência frenética dos brasileiros. Regra geral, toma-se pelo menos um banho por dia... ou a cada dois dias, em especial no inverno. Confesso que é difícil reunir coragem para se despir e enfiar no chuveiro quando o termômetro está abaixo de 0, não importa se o banheiro é aquecido e a água quente. Simplesmente, não dá vontade. O inverno absorve toda sua energia a ponto de você não ter ânimo nem de tomar banho. Com as devidas exceções.

No meu caso, reduzi drasticamente o número de banhos por dia. Não aconteceu de imediato, mas como tudo o mais, aos poucos. Incutida que se deve tomar banho diariamente, ao sair e voltar para casa, assim o fiz nos primeiros meses na Alemanha. Até que comecei a notar que minha pele e cabelo ficaram mais finos, ásperos e ressecados. Em um determinado momento, uma parte da minha perna ficou levemente em carne viva. Relatei o problema para um amigo alemão que morou algum tempo no Brasil e a primeira pergunta foi com que frequência tomava banho. Respondi e ele disse que eu deveria interromper de pronto, pois era esta razão da descamação da pele e queda de cabelo. Explicou-me que a água na Alemanha tem alto grau de alcalinidade, cujo uso demasiado não é saudável. Caso insistisse em manter o ritmo, deveria ao menos evitar o uso do sabonete.

Resisti por algum tempo, mas quando dei por mim já não tomava tanto banho como antes. Mistura o frio ao ressecamento e fica por isso mesmo - um banho já tá bom demais.

MAS, AFINAL, O QUE SIGNIFICA "TOMAR BANHO"?

Precisamos aceitar que a ideia de tomar banho pode variar de cultura a cultura. Os portugueses, quando abarcaram no Brasil, descobriram uma forma completamente diferente de se banhar com os índios. De Roma ao Egito antigo, veremos concepções diferentes. Na Alemanha, não seria diferente.

Em alemão, por exemplo, existem dois verbos para tomar banho: duschen e baden. Duschen é o equivalente a tomar banho com chuveiro; geralmente, é o banho diário, rápido e prático. Baden é tomar banho de banheira, menos comum e mais demorado, talvez desfrutado apenas em ocasiões especiais, quando se quer meramente relaxar. 

Sei que no Brasil tomar banho de banheira é associado ao glamour e é um sonho de consumo de muitos, porém é um prazer reservado sobretudo aos muito ricos, que investem em banheiras de hidromassagem. Por aqui, quase toda casa alemã tem uma banheira comum embutida e os mercados oferecem diversas opções de sais e essências para banheira a preços módicos, logo não tem nada de pomposo nesse tipo de banho. A não ser quando consideramos a quantidade de água que uma banheira cheia demanda: até 300 litros de água por banho. Neste quesito, baden é considerado banho de luxo e é menos difundido.

Banho de gato

Já ouvi outra palavra curiosa para "tomar banho", a Katzenwäsche. Trata-se de uma forma coloquial para se referir ao cuidado pessoal rápido, não muito completo, geralmente usando pouca água e uma toalhinha. Minha mãe se referia a este tipo de banho como "banho de gato". Em inglês, usam a expressão airplane bath uma vez que você dá uma limpeza rápida embaixo das asas (axilas) e na cauda (partes íntimas). Eu dava muito esse tipo de banho nos residentes do Wohnheim onde trabalhei como voluntária, uma casa para pessoas com deficiência. Eles também não tomam banho todos os dias, mas limpavam as partes íntimas. Banho de banheira era para momentos de relaxamento, de uma a duas vezes no mês, no máximo.

0 comentário(s)