O que deve conter na minha carta convite?


Brasileiros  e brasileiras não precisam de visto para entrar como turista na Zona Schengen  por até 90 dias. O que pouca gente sabe é que a polícia de fronteira, ou agentes de imigração, tem plenos poderes para recusar a entrada de uma pessoa se ela não tiver um dos três (quase quatro) requisitos:

- passagem de ida e volta (pré-paga, não reservada; tem que ser paga);
- seguro viagem de no mínimo 30 mil euros com cobertura para toda a Zona Schengen;
- comprovante de acomodação (pré-paga, não reservada; tem que ser paga ou carta convite); e
- bônus: meios de sustento.

Cada um desses itens merece uma postagem especial, mas hoje vou falar de um dos aspectos do comprovante de acomodação, que pode ser uma carta convite enviada por algum anfitrião ou alguma anfitriã que você tenha em um dos países da Zona Schengen.

Posso tratar com mais familiaridade sobre dois desses países, Áustria e Alemanha, mas acredito que em geral minhas observações se aplicam aos demais também.

Bom... Então, você conhece alguém da Alemanha e essa pessoa convidou você para ficar um período na casa dela. Não importa quem seja: um amigo, um namorado, um parente, um colega de trabalho... esta é uma das primeiras coisas que convém mencionar ou deixar implícito na carta:

"Eu, José Maria de Jesus, nascido em xx/xx/xx, alemão, (nº de passaporte XXXXX), conheço João Pedro de Paula, nascido em  yy/yy/yy, brasileiro, (nº de passaporte XXXXX), desde 2010 quando fiz intercâmbio em seu país e tive oportunidade de ficar hospedado em sua casa. Agora, ficaria mais do que feliz em lhe retribuir a oportunidade de estadia na Alemanha".

Não precisa desse romantismo todo, claro. Esta é apenas uma das inúmeras formas de estabelecer o "grau de relação" entre você e seu anfitrião ou sua anfitriã. Entre familiares, por exemplo, deve-se, obviamente, especificar que está convidando sua mãe, seu sobrinho, sua tia... Além disso, não é obrigatório em todos os países, mas certamente muito importante que a pessoa anexe uma cópia do passaporte dele ou dela à carta, conforme citado na carta. Se um irmão seu estiver casado com um cidadão ou uma cidadã de um país da Zona Schengen, é interessante que se anexe cópia do passaporte dele ou dela também.

Mas não basta só dizer que vocês são amigos ou parentes ou o que quer que seja! Deve-se dizer o motivo da visita! A polícia quer mais do que saber quais são suas intenções no país dela, então, é bom que a carta revele, por exemplo:

"O Sr. de Paula sempre se mostrou uma pessoa muito esforçada durante a universidade e demonstrou recentemente interesse em dar continuidade em parte dos seus estudos na Alemanha, onde se matrilou em um curso de alemão na VHS de Bonn entre 05 de fevereiro de 2016 e 12 de maio de junho de 2016".

Repare que, além da escola, citei o período do seu suposto curso de idioma. Provavelmente, este é o período em que você terá acomodação, ou seja, período da sua estadia com seu anfitrião ou sua anfitriã. Se tiver uns dias a mais ou a menos, isto deve estar claro na carta.

Junto a isso é recomendável que, caso o motivo da sua visita seja realmente um curso de idiomas, você tenha em mão (não na mala despachada) o comprovante de que está matriculado, com tudo pago. O mesmo vale para fins de estudo superior, em que a polícia pode solicitar a carta de aceite na universidade ou comprovante de matrícula. Para visitas particulares basta que especifique o período: um mês, dois, três, acima de seis...

E já que o motivo da carta é convidar você para ficar na casa do seu anfitrião ou da sua anfitriã, é indispensável menção ao endereço onde ele ou ela vive e que passará, além de ser seu também, aquele onde, digamos, a polícia pode procurar você caso precise. Estou sendo bem dramática porque é melhor levar as coisas com esta seriedade para não ter surpresas desagradáveis.

Modelo de "Meldebescheinigung".
Aliás, talvez você já tenha percebido que não basta ficar viajando no plano das ideias. Na Europa, local visado por muitos estrangeiros, você tem que provar A por B o tempo todo. Logo, é interessante que seu anfitrião ou sua anfitriã anexe o comprovante de residência dele ou dela, isto é, o local onde ele ou ela pretende receber você durante sua estadia.

Observe que, na Alemanha e na Áustria comprovante de residência não é como no Brasil, onde você apresenta a fatura da Renner ou conta de água-luz-telefone para atestar seu endereço. Esses países possuem autoridades competentes próprias ("Bürgeramt" ou "Meldestelle" ou "Bürgerbüro" dependendo da cidade na Alemanha e "Meldebehörde" na Áustria)  onde o cidadão ou a cidadã precisa comparecer pessoalmente e se registrar como morador ou moradora da região. Isso tem tudo a ver, como na Inglaterra, com os serviços a serem prestados na comunidade, mas é outra história. Assim, mencione com seu anfitrião ou sua anfitriã sobre "Meldezettel" (Áustria) e "Anmeldung" ou "Meldebescheinigung" (Alemanha) e eles vão saber onde retirar uma cópia.

Tudo lindo até aqui, não? Não. Recomendo fortemente, caso não fale o idioma do seu anfitrião ou da sua anfitriã usado na carta convite, que ele ou ela envie uma cópia traduzida (ou você a faça) para que você tenha consciência do conteúdo da carta. Por quê? Porque eu presenciei o caso de duas brasileiras, em duas ocasiões distintas, passarem por um mal bocado perante a polícia de imigração em Frankfurt por não terem a mínima ideia do que estava escrito na carta - e, pior, não falavam alemão e muito menos inglês. 

Em uma dessas ocasiões, a polícia soltou uma risadinha de deboche e fez um comentário um pouco maldoso, o qual entendi porque falo alemão. A mulher acabou entrando, mas não antes de passar por esta situação constrangedora. Em outra, muito mais confiante, acabei entrando pelo meio e servindo de intérprete entre a garota e o oficial: este me disse que achava inconcebível que ela não compreensse o teor da carta e que sequer podia se comunicar com ele. Por sorte dela, surgiu um outro agente com humor melhor e deixou liberá-la. Por questões de segundos, não duvido que ela teria corrido o risco de ser mandada de volta. Por isso, sempre digo que não importa sequer se você tenha um visto no seu passaporte para seis meses emitido por uma representação do país no Brasil - a polícia de imigração tem autoridade para recusar sua entrada.

Vale notar que, no primeiro caso, a carta fora enviada pelo (futuro) marido da brasileira. No segundo, pela mãe. Em ambos, a polícia não teve dó nem paciência com este estreito grau de parentesco, pois expressou para mim em bom alemão que elas não poderiam apresentar um documento cujo teor desconheciam. É aquilo, né, bem brasileiro: assinaram sem ler. Pois é, saiba que isso não cola lá fora.

Para finalizar, fica bonitinho se seu anfitrião ou sua anfitriã mencione que buscará você pessoalmente no aeroporto ou alguém de sua confiança. Na falta disso, ele ou ela pode informar telefone e/ou e-mail para contato a qualquer tempo. Aí, sim, você fecha com chave de ouro!


Em suma:


  • "Grau de relação/parentesco";
  • Motivo da visita;
  • Período da estadia;
  • Endereço onde ficará hospedado ou hospedada;

Anexos:


  • Opcional, mas essencial: telefone/e-mail para contato a qualquer tempo com o anfitrião ou a anfritriã.
  • Cópia do passaporte do anfitrião ou da anfritriã (se aplicável, do companheiro ou da companheira);
  • Comprovante de residência do anfitrião ou da anfritriã.

Extra:


  • Para o caso de um curso de idiomas/superior: comprovante de matrícula e de pagamento;
  • Para o caso de não falar o idioma: tenha em mãos ou em mente (tradução do) conteúdo da carta para eventuais perguntas dos agentes de imigração.




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