Micos que passei nos meus primeiros meses na Alemanha


Quem nunca pagou algum mico na vida, né, minha filha?

Mas meus vexames estão mais relacionados a não entender o sistema ou alguma palavra na época, o que é absolutamente normal para alguém em uma nova cultura e língua que não se domina muito bem. De qualquer maneira, sempre divirto a mim mesma com minhas próprias histórias, principalmente quando as rememoro ao me deparar na mesma situação hoje. 

E esse sinal que não fica verde nunca, hem?


Lá estava eu indo para algum lugar que não me lembro mais. Na hora de travessar a rua, parei e esperei o sinal de pedestres abrir, mesmo que não tivesse movimento de carro. Venho de Brasília e por lá a maioria respeita esta regra, inclusive de usar a faixa de pedestres. Aqui na Alemanha, quem desrespeita pode levar multa e um belo de um sermão por dar mau exemplo para as crianças (mas isso é para outra história).

Bom, então vamos lá esperar o sinal ficar verde. Esperei, esperei, esperei... e nada do sinal abrir.


Quando cogitei em atravessar a rua, já que não tinha tráfego de carro algum, um senhor chegou e esperou ao meu lado. Pensei, "Quaaaase fui pega no pulo! Mas bom, vamos esperar juntos, né." Cerca de um minuto depois, vi que ele ficou impaciente. Foi quando ele olhou para um aparato amarelo no sinal e, um pouco irritado, bateu nele com a mão. Uma luz se acendeu e começou a piscar por um tempinho.   E, de repente, o sinal ficou verde...

Minha gente! Neste momento, percebi que não tinha apertado o botão que ativa o semáforo 👀. Na verdade, eu não tinha nem visto. Imaginei que era um daqueles sinais que abrem e fecham automaticamente. O homem ao meu lado olhou-me de soslaio, meio que percebendo meu micaço de não ter dado o sinal pra abrir. Mas eu fiquei lá, plena, como se nada tivesse acontecido. 🤭🤭🤭

Seguir a linha verde?


Assim que cheguei pela primeira vez na Alemanha, no fim de dezembro de 2013, descobri que lá pro dia 15 de janeiro deveria ir para meu primeiro seminário, como parte do meu voluntariado. Ou seja, menos de duas semanas no país, já teria que me aventurar por aqui. Fiquei super empolgada, afinal, mal chegara aqui e já viajaria para Potsdam, próximo à Berlim. Então, perguntei ao meu chefe se poderia passar esses dias em Berlim. Ele concordou e eu vibrei de alegria.

Lembrei que, pouco antes de sair do Brasil, uma amiga disse que se fosse para Berlim poderia encontrar com o ex-colega de apartamento dela para ficar por lá. Explicou-me que ele gostava muito de cultura brasileira e eles ficaram amigos, logo talvez se animaria de receber uma brasileira. Foi o que fiz quando soube da minha viagem. Entrei em contato e perguntei se poderia ficar lá no sistema de couchsurfing. Ele, muito simpático, topou na hora e ficamos de nos falarmos novamente quando eu chegasse em Berlim.

Até aí, tudo bem. Eu já tinha acomodação e passagem de ida e volta comprada, que fora providenciada pela secretária da organização onde trabalhava. Ela inclusive me levou de carro um dia antes até a estação para explicar qual lado eu deveria pegar o trem. Sendo assim, achei que seria moleza. Ora, ora... mas o que tinha o destino reservado para mim? Algum mico, sem dúvidas! Minha vida às vezes é uma piada e lhe convido a rir junto comigo dela.

Pois bem, no dia da viagem, fui caminhando para a estação usando o GPS  e uhuuuul deu tudo certo! Pequei o trem e parti para Berlim, sem maiores problemas. Horas mais tarde, quando ouvi o alto-falante anunciando "Nächste Statation, Berlin...!" (Próxima estação, Berlin...), apressei-me a jogar  minha mochilinha nas costas para descer. Era o pânico de perder a parada... sabia lá para onde aquele trem iria continuar.

Neste meio tempo, havia mandado mensagem para meu couchsurfer e avisado que chegara. Ele propôs nos encontrarmos no McDonald's. Foi para lá que fui. Não foi difícil de achar e estava contente que estava tudo dando certo! Passados alguns minutos, ele me liga, perguntando onde eu estava. Respondi que no McDonald's, uai. Como se pudesse senti-lo franzindo do outro lado da linha, ele disse que também estava no McDonald's, mas não me via. Olhei bem ao redor... eu também não o via 🤔. Ele me pediu um tempo, disse que daria a volta, talvez havia outro McDonald's.

Pouco tempo depois, recebo outra ligação dele: nope... não era possível me encontrar em nenhum lugar. Era até como se não estivéssemos na mesma estação! Eu fiquei:

- como assim? Estou, sim, na estação de Berlim.

Daí ele:

- Ok. Mas em qual você desceu?
- Na de Berlim.
- Tá, mas Berlim tem várias estações.

Minha reação:


Corri pra descobrir onde estava: Berlin Spandau.

Meu medo era tanto de perder a estação que desci, no alvoroço, na primeira que ouvi, sem prestar muito atenção ao que o anúncio falava, que certamente fora "Nächste Statation, Berlin... Spandau!" (Próxima estação, Berlin... Spandau!). Havia descido de fato na primeira estação quando se adentra Berlin 🤦🏿‍♀️ e ele estava na estação principal. Eis meu mico número 1!

Liguei pra ele e expliquei o mal entendido. Como ele era um cara legal, riu da situação e disse para não me preocupar. Era fácil de remediar: bastava que eu pegasse o S-Bahn (metrô) da linha verde até onde ele estava. Linha verde? Tá. agora vai!

Gente, como sou muito matuta, aquilo não significava nada para mim: "linha verde". Que cargas d'água era LINHA VERDE? À esta altura, eu estava com vergonha e não queria mais perguntar a ele, que, pacientemente me esperava já há uma meia hora do outro lado da cidade. Então, passei a procurar a tal "linha verde". Olhava, disfarçadamente, para o chão, para os lados, nas paredes, no teto... buscando literalmente uma "linha verde" pintada em algum desses lugares indicando por onde eu deveria seguir.


E nada! Não encontrava "linha verdade" nenhuma!

Com minha demora, claro que ele me ligou de novo:

- Ainda não achou?
Confessei que não.
- Busque um balcão de informações, então!

Ele estava certo... dizem que quem tem boca, vai à Roma. E se ele tinha que esperar tanto, era porque eu detestava pedir informações, mas não tinha mais por onde correr. Me encaminhei para o Infopoint e perguntei onde era essa tal de linha verde. A funcionária não entendeu minha pergunta. Bem antipática, aliás. Expliquei que buscava a tal "linha verde" do metrô. Olhando-me incrédula, como se eu fosse um alien, ela me apontou para um sinal bem em cima da minha cabeça enooorme e luminoso:


Foi neste momento, meus amigos e minhas amigas, que entendi o que era a tal da "linha verde". Para quem vem de São Paulo, por exemplo, já deve ter sacado há muito tempo do que estou falando. Do percurso da linha do metrô NO MAPA, óbvio!

Acontece que venho de Brasília, né, minha filha. E sabe como é o metrô lá? Quase como a música "Aquarela", do Toquinho, quando ele canta: "E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo"... mas usando metodologia Bela Giu, quem planejou o metrô de Brasília trocou "cinco ou seis retas" por "duas retas".


É uma vergonha, não serve para metade do propósito que deveria. Sequer corta o centro da cidade de uma ponta a outra... mas isso é outra história. O que vemos aqui é que eu não era treinada na arte de pegar metrô, por isso passei o mico de sair procurando uma linha verde pintada pelo chão.

Quando me dei conta da situação, embarquei no trem e fui me encontrar com o rapaz. O final foi feliz.

Pommes, was?

Para agradecer às pessoas que durante o ano todo trabalham cuidando dos filhos, filhas ou parentes com necessidades especiais e que moram em uma das instituições como a que trabalhei, os alemães costumam dar uma quantia em dinheiro como presente de Natal e Ano Novo. Ao invés de dividir o dinheiro, a equipe do meu trabalho costumava usar a grana para saírem para jantar e depois jogarem boliche juntos em um local bem bacana da cidade. Apesar de ter acabado de chegar, eles me convidaram para ir também. Aceitei, claro.

Chegando lá, na hora de fazer o pedido, olhei para aquele cardápio, todo em suábio... e mesmo que entendesse a descrição dos pratos, não sabia o que esperar exatamente da culinária típica local (sou muito enjoada com comida). 

Qual alívio não foi quando meus olhos pousaram sobre "pommes frites"....! Ahhh, batata frita. Isso eu sabia! E reconhecia a palavra das minhas aulas de francês. 


Quando o garçom chegou, botei meu melhor sorriso com a confiança de que sabia o que estava fazendo e pronta para pedir:


- Ich hätte gern pommes frites, bitte! - caprichando bem no francês ao pronunciar pommes frites com o s bem mudo.
Para minha surpresa, o garçom arqueou a sobrancelha e perguntou, sem entender:
- Wie bitte???

Minha máscara de confianca foi ao chão. Tentei mais uma vez:

- Pommes frites... ich hätte gern... pommes frites?

Ele franziu, com ar de quem não esteva me entendendo. Pensei que talvez minha pronúncia em francês não tivesse correta, então tentei de maneiras diferentes, enfatizando a pronúncia em uma sílaba diferente da palavra cada vez que testava uma versão diferente.


Enquanto isso, o garçon:


Até que meu colega, assistindo toda aquela situação, resolveu intervir e perguntou o que, afinal, eu queria. Expliquei pra ele em inglês, mostrando no cardápio. Ele, então, entendeu:


- Ahhhhhhh, du meinst... pommeS friteS!!! - disse ele, pronunciando bem o s no final. Uma verdadeira profanação em francês!
- Wie bitte??? - foi minha vez de perguntar, como quem não estava entendendo. Disse-lhe que não era assim que se pronunciava em francês.

Ele deu mais uma risada, franca:

- Mas estamos na Alemanha e é assim que dizemos aqui 😉

Vai ficar tudo bem!


Durante meu voluntariado, fiz outro voluntariado. Em agosto, tirei férias para trabalhar em um acampamento de férias para crianças de uma cidadezinha perto de Stuttgart, onde as pessoas falam schäbisch (dialeto local) ainda mais carregado. Tudo corria as mil maravilhas, me dei muito bem com as crianças e o trabalho era bacana.

Um dia, quando preparando o refeitório pro almoço, um dos garotinhos do meu grupo chegou das brincadeiras no parquinho sob o sol rachando todo suado, mais vermelho que um pimentão e com língua pra fora, o próprio Pato Donald no deserto:


Então me disse:
- Isch hab drhdushdiudhahud!!!
(Eu tenho...)

Olhei para ele, sem entender.

- Hast du was?
(Tem o quê?)
- drhdushdiudhahud!
- D.... was?
(D... o quê?)

Ele já agoniado, repetiu, ainda mais desesperado:

- drhdushdiudhahud!!!

Bom, eu não sabia o que "drhdushdiudhahud" significava, então fui até ele, dei dois tapinhas nas costas dele e disse:

- Es wird alles gut!
(Vai ficar tudo bem!)

A reação dele:


Então, o coordenador do acampamento veio, colocou uma garrafa de água e um copo na mesa em frente do garotinho e lhe serviu. O garoto bebeu um copo atrás do outro como se não houvesse amanhã. O coordenador se virou para mim, com um sorriso enorme no rosto:

- Jana, er hat durst.
(Jana, ele tem durst)
- Ja, ja, ja... was ist denn durst?
(Tá, tá, tá... mas o que é durst?)
- Er will Wasser trinken!
(Ele quer beber água!)
- AHHHHHHHHHHHH!!!!! - levei as mãos à boca, horrorizada, pensando que quase matei o garoto de sede. Eu não sabia o que significava durst, logo não tinha como ajudá-lo. Mas o pior foi eu dizer que estava tudo bem, meu colega ver e rir da situação 🤭

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