Cara, não é fácil, mas se joga!


Quando resolvi trancar meu mestrado de tradução em uma universidade pública, sair de um emprego de 15 horas semanais que me pagava super bem, em uma escola de alemão reconhecida internacionalmente, e que me oferecia benefícios extras, como estudar francês em outra escola de renome mundial, sair da minha cidade natal, muito amada por sinal, e da vida boa, com alguém pra fazer sua comida ou passar sua roupa, com minha grana sendo gasta apenas para com o que queria, como viajar, sair aos fins de semana, comprar o que quisesse, de necessidade a supérfluos, todo mundo achou, obviamente, que eu estava ficando louca.

Isso porque eu não larguei o emprego para um outro que pagasse melhor, ou transferi meus estudos para uma universidade mais conceituada, ou optei por uma vida que me possibilitasse fazer muito pouco para quase nada em casa... 

Estava trocando o "bem-bom", como minha mãe gosta de dizer, pelo difícil para c*@#$%, isto é, um trabalho voluntário em outro país, outra cultura, com mais do que o dobro da carga horária a que estava acostumada e pagando menos da metade do que ganhava... Estava, galera, lançando-me a um trabalho social com portadores de necessidades especiais, corporal e mental.

Quando solicitei meu visto no consulado alemão no Rio a atendente disse que eu era louca mesmo, pois, neste meio tempo, ganhei uma bolsa de estudos, com tudo pago (passagens de avião, estadia e o curso em si por dois meses) em uma universidade alemã notadamente conhecida pelos Estudos da Tradução, cuja oportunidade me abriria portas para, no futuro, dar sequência aos estudos ali. Para isso, concorri com galera dentro do Brasil e, depois, do mundo todo; tive que apresentar rendimento acadêmico, carta de motivação e de recomendação. Eles queriam os melhores e eu, ao final do processo seletivo, tava dentro. Só que, ao mesmo tempo, recebi a resposta de que fora aceita para o trabalho voluntário... Tive que escolher... e em vez de sentar, escolhi dançar o ritmo louco de se entregar não ao que parece ser o mais correto (dar continuidade à minha carreira acadêmica), mas ao que meu coração estava dizendo (mesmo que as pessoas fiquem dizendo "pensa bem, pensa bem...").

A moça do consulado perguntou se eu sabia a quantidade de trabalho a que me submeteria, de que não era fácil, não... Que o certo seria ir pela outra via, mais fácil e de prestígio na vida (em outras palavras "pega a bolsa da universidade, maluca!").

Só que eu parei e pensei: pô, não posso desistir agora. Ter optado por este trabalho significava justamente fazer uma pausa em todos aqueles anos de apenas estudos e trabalho... Eram no mínimo 25 anos de preparação acadêmica e profissional, para o que eu não estava indo nada mal. Já tenho um artigo publicado na área; um livro em vias de ser lançado; viajei a congresso à convite (com tudo pago) para apresentar minha pesquisa, a qual recebi muitos elogios de profissionais de longa data no ramo; participei quer de mesa redonda quer de comunicação em vários outros eventos desde meus tenros anos na faculdade ou fora dela; administro um dos blogues sobre tradução mais acessados do Brasil; recebia - e recebo - propostas de trabalho com frequência... então, se estava tudo muito bem encaminhado por que eu não poderia dar um tempo? Um tempo para mim mesma? Qual era o problema de investir em outra faceta do meu crescimento pessoal, na de ser humano?

Quem conhece minha trajetória de vida, sabe do que estou falando. Eu, que fui adotada ao três anos de idade, recebi muito por demais dos meus pais adotivos: escola particular, curso de natação e inglês, viagens em família e escolares desde criança, roupa e alimentação de primeira, presentes em tudo que é data comemorativa, mesmo depois de velha risos Eu tenho certeza que não seria metade do que sou hoje se eles não tivessem me tirado da lama, com 40º graus de febre, e me proporcionado tudo isso.

Acontece que chegou um momento, há exato um ano, em que achei que era hora de dar um retorno para outros seres humanos, que calharam a ser estes com quem trabalho na Alemanha. Meu amor por eles é inestimável. Fazendo um balanço, passei por altos e baixos, mas do que posso reclamar? Não é assim que toca a banda da vida? Falarei mais sobre isso com o tempo, gostaria apenas de deixar meu testemunho de que nunca é tarde e, muito menos, doido demais "largar" tudo em busca de outros objetivos, de um ano sabático, de um período na vida em busca de nós mesmos que, de quebra, nos aproxime dos outros também.

Um beijo

Jana

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