Sobre o coletivo Serviços Gerais, o Brasil e a Alemanha
Sobre o Coletivo Serviços Gerais de Sampa que limpa placas, pinta calçadas, restaura estátuas e corta grama para incentivar paulistanos a repensar a relação com a cidade e minimizar a omissão da prefeitura noticiado no Estadão, gostaria de fazer um paralelo entre Brasil e Alemanha.
Antes de tudo, longe de mim querer despertar qualquer sentimento de vira-lata, mas somente de altruísmo entre meus compatriotas, sempre em busca encorajá-l@s a tomar atitudes parecidas com a do referido Coletivo, as quais, aliás, cansei de comentar com amigos: devemos depender menos do governo e fazer mais nós mesmos.
Vamos começar, então, falando de casa, que é onde me sinto mais à vontade para tratar do assunto.
Bom, li em algum lugar que o brasileiro
parece ter uma certa obsessão por limpeza, mas, em minha opinião de chata, esta obsessão é de mão dupla. Em uma via, somos, sim, um povo conhecido por sempre se
"desculpar pela bagunça" mesmo que a casa esteja impecável ou nos gabarmos por tomar banho todos os dias (bom,
não mais possível em São Paulo, onde os vizinhos agora se prestam a
ouvir os canos), sempre procurando parecer "apresentáveis" ("sou pobre, mas sou limpinh@"). Na via oposta, é de uma tristeza testemunhar como as ruas são repletas de grandes e pequenos tipo de lixo, desde gomas de mascar até a imensa quantidade de porcarias remanescentes depois que um bloco de carnaval arrasta multidões.
É precisamente aqui que reside meu dilema: como podemos ser tão preocupados com o que vão pensar sobre nossa higiene pessoal, mas não dar a mínima quando descartamos uma garrafa pela janela do carro? Por que nossos transportes coletivos são desesperadamente sujos? Qual nossa parcela de culpa com a poluição do Rio Tietê? Há um ano na Alemanha, permito-me tentar olhar os dois lados da moeda, partindo da minha experiência dentro e fora do Brasil.
Primeiro, para abordar a questão, gostaria de informar a toda aquela porcentagem insatisfeita, mal viajada, que lê pouco sobre o que tá rolando nos veículos internacionais ou é simplesmente fascinada por qualquer coisa que vê no mundo virtual ou canais de tevê que, se pensa que não existe sujeira em países como a Alemanha e que as pessoas não jogam lixo na rua, muito se engana. Faz parte deste rol todos aqueles que gostam de dizer "pare o mundo que quero descer". Olha, é melhor parar de dizer isso, porque já cansou. Atrevo-me a dizer, isso é conversa de quem reclama, mas não faz nada, calhando de ser, coincidemente, meu público alvo nesta postagem.
Com todo respeito, meu primeiro conselho a quem a carapuça servir é que se você quer mesmo "parar o mundo e descer", precisa, antes de mais nada, dar uma voltinha pelo resto do mundo para ter um conhecimento mais apropriado sobre ele, e, quem sabe, deixar de se basear apenas o que vivencia em uma cidade que você porventura só conhece porque nasceu, cresceu e mora nela há 20, 30, 50 anos. Se acha que tô posando de bacana, não é fácil assim viajar blábláblá, recomendo que em vez de gastar seu salário
em iPhones parcelados tantas vezes quanto vale um carro, invista-o em prol de viagens
pelos países que gosta tanto de chamar de "primeiro mundo", aproveitando a visita a esses destinos não apenas para fazer check in e publicar 100 fotos no Facebook dando uma de "adoro viajar",
mas oportunizar o momento para bizoiar como é a vida de fato aqui
fora. Depois de uma experiência dessa, só um cego para não ver que tu vai para uma Berlin e, a não ser nos pontos extremamente turísticos, parece que tu caiu numa grande São Paulo. Paris... hah! Não vou nem comentar que é para não decepcionar alguns fissurados em viagens românticas à cidade sol. É claro que isso não redime a sujeira de cidades brasileiras (ainda mais depois que se depara com uma lista como esta aqui), afinal um problema de qualquer cidade grande, mas serve sobretudo de engodo para convidar todos esses que gostam de latir aos quatro ventos que "lá
fora" é mais limpo" porque o sistema de limpeza urbana funciona que sejam mais críticos e honestos consigo mesmos. Funciona, sim, é verdade, mas o segredo do sucesso é creditado não ao governo per se, e, sim, à contribuição geral da
população.
Hora de tomar o exemplo dos alemães. Sabe aquela parte que o povo de Sampa tem se prestado a colocar o ouvido nas paredes para monitorar a água saindo pelo cano do vizinho? Pois é, acontece mais ou menos o mesmo na terra da batata. Apesar de parecer é uma forma de controle para fazer com que todos andem na linha. "Se você desalinha, vem um e lhe avisa: ei, não joque lixo no chão!"; "Psiu, respeite a faixa de pedestres!". Parece antipático? Sim. Às vezes é? É. Em contrapartida, quer seja porque você aprendeu a fazer o correto, quer porque teme uma represália, ainda mais de um estranho, a tendência é aderir ao sistema e respeitar as regras. Eu, por exemplo, desde que escapei de uma multa porque não tinha farol na minha bicileta, deixei de sair com a magrela à noite. E olha que com a lógica brasileira tentei argumentar com o policial que não tinha problema, pois já estava perto de casa. Ele, muito educado, disse que tinha problema, sim, pois eu estava comprometendo a segurança de outras pessoas. Faz sentido, não?
Com isso, em geral, verdade seja dita, as ruas são mais limpas; os ambientes de convívio coletivo como estações de trem ou transporte públicos, também. MAS - aqui também existem ressalvas -, quando visito casas de alemães, geralmente república de estudantes, confesso, e não casas de vovós (pois aí já uma outra história), percebo uma veia, assim por dizer, mais anárquica. Estou falando de, em alguns casos, verdadeira zona: louça suja, roupas por lavar, sapatos espalhados, resquícios de uma festa realizada há no mínimo duas semanas. Em uma dessas, me vi limpando a cozinha de um amigo antes de começar a jantar, e, em outra, comecei a catar as roupas pelo apartamento, empilhar os livros (okay, talvez eu seja sistemática - embora você não diria isso se conhecesse meu quarto -, mas da porta do meu templo de dormir pra fora, pareço buscar uma certa ordem nas coisas).
Os apartamentos em si parecem um grande quarto dos tempos de adolescência contra o qual a mãe era obrigada a reclamar toda semana, enquanto que mantê-los neste estado caótico tem ares de uma vingança tardia contra as "enxeções de saco da mãe". Cabe dizer que raramente fui solicitada a não reparar "na bagunça". Não importa aos meus colegas alemães o que acontece da porta para dentro de suas casas. Da porta para fora, ah, aí é outra história. E é aí que entra a questão.
Com isso, em geral, verdade seja dita, as ruas são mais limpas; os ambientes de convívio coletivo como estações de trem ou transporte públicos, também. MAS - aqui também existem ressalvas -, quando visito casas de alemães, geralmente república de estudantes, confesso, e não casas de vovós (pois aí já uma outra história), percebo uma veia, assim por dizer, mais anárquica. Estou falando de, em alguns casos, verdadeira zona: louça suja, roupas por lavar, sapatos espalhados, resquícios de uma festa realizada há no mínimo duas semanas. Em uma dessas, me vi limpando a cozinha de um amigo antes de começar a jantar, e, em outra, comecei a catar as roupas pelo apartamento, empilhar os livros (okay, talvez eu seja sistemática - embora você não diria isso se conhecesse meu quarto -, mas da porta do meu templo de dormir pra fora, pareço buscar uma certa ordem nas coisas).
Os apartamentos em si parecem um grande quarto dos tempos de adolescência contra o qual a mãe era obrigada a reclamar toda semana, enquanto que mantê-los neste estado caótico tem ares de uma vingança tardia contra as "enxeções de saco da mãe". Cabe dizer que raramente fui solicitada a não reparar "na bagunça". Não importa aos meus colegas alemães o que acontece da porta para dentro de suas casas. Da porta para fora, ah, aí é outra história. E é aí que entra a questão.
Muitos
jovens que conheci estão longe de vestirem (frisa-se: pelo menos
dentro de casa) essa carapuça de que todo alemão tem mania de
"ordentlichkeit" (asseio, ordem) ou "sauberkeit" (limpeza) - ops, não eram os brasileiros que tinham síndrome disso?! -, mas a maioria com quem tive contato demonstrou em situações raras ou sequer uma vez, o desejo incontrolável de jogar o papel do donner onde bem entendesse (leia-se, meio da rua) por falta de uma lixeira nas proximidades, porque alguém estaria lá para recolhê-lo no dia seguinte. Não sei dizer bem se eles o fazem por 1) seguirem à risca a cartilha que minha mãe ditava em casa "costume de casa vai à praça"; 2) simplesmente estarem com medo de serem multados por um dos fiscais à paisana ou 3) temerem a represália pública e sem papas na língua vinda de algum agente público chamado CIDADÃO com senso de dever social que vai te lembrar "ei, colega, tá com a mão furada? Não? Por que jogou esse papel no chão, então? Se liga! Tá pensando que isso aqui é sua casa?". Aí, você, pianinho, vai recolher não só seu papel, mas seu banquinho e sair de fininho, mudinho com, assim espero, uma lição.
É-claro-que tem gente que não vai ligar, fazer de conta que nem viu a sua demonstração de falta de educação, mas tem MUITA gente que vai brotar atrás de você D-O-N-A-D-A, te cutucando, com sangue nos zói e te fazendo sentir remorso até os confins do inferno por poluir um ambiente que é bem de todos, não apenas seu - aliás, como estrangeiro, nem seu é.
Tem outra coisa: aqui, como a maioria das casas não tem escravo doméstico porque é caro pra caramba, não tem essa de deixar a louça acumulada de sexta à domingo porque a D. Fulana vem de novo na segunda. Em outras palavras, em geral as pessoas simplesmente sabem que a limpeza da cidade também depende delas mesmas, portanto, não se fica esperando o serviço de coleta de lixo fazer o trabalho por você de descartá-lo no local correto. Talvez por isso costumam encontrar por si mesmas o local da lixeira, aliás, dividida em recicláveis. É claro que existe uma ajudinha extra pros entes mais preguiçosos da grande família alemã, para os quais existe, contudo, somente aquela "secretária do lar" pública que vem duas vezes por semana e gasta 1h apenas pra limpar o grosso. O resto, é contigo, meu amigo. Problema é seu se é um porcalhão de primeira. Quanto mais sujar, mais vai ter que desembolsar para ver tudo tinindo de novo.
Apesar de ser uma sociedade bem individualista, no sentido de pensar constantemente no sucesso pessoal, a sociedade alemã não deixa a peteca cair quando o assunto é o bem estar social coletivo. Lembro de como uma amiga, brasileira por sinal, radicada aqui há sete anos, ficou com remorso por
não ter descartado plena e corretamente uma garrafa de vidro que
quebrara quando estávamos a caminho de um pub. Seu maior pesar era de
que algum desavisado poderia tropeçar e se machucar com os cacos ou
seria responsável por furar o pneu de alguma bicicleta. Em um exemplo genuíno entre alemães, recordo-me de quando andava no metrô, de Berlin a Potsdam, e notei que um jovem posicionou sua
bicicleta de forma que ocupava o espaço reclinável de três acentos à minha frente,
sentando-se ele mesmo no que restava. Este fato não o incomodava, pois estava justamente em uma área reservada para biciletas e carrinhos
de bebê. Eu fiquei olhando aquela situação e, claro, não disse nada. No
entanto, depois de certo momento, o trem começou a encher (isso
acontece aqui, tá gente?!) e fiquei me perguntando se as pessoas em pé
não se rebelariam contra o privilégio de um objeto em detrimento delas mesmas, ainda
que o rapaz estivesse exercendo seu direito pleno - e pelo qual ele precisa pagar a mais... Só que às vezes acredito
que é apenas uma questão de bom senso: havia outra forma dele posicionar
a bicicleta para que, pelo menos, mais uma pessoa se sentasse. Além disso, não cosegui parar de pensar neste artigo obre o senso coletivo dos
alemães e esperando o momento em que alguém se pronunciaria contra aquilo. Não demorou até um garoto reivindicar seu direito de se sentar também, não obstante os argumentos do dono da bicicleta. Nisso, uma senhora se manifestou a favor do garoto cansado de estar em pé enquanto o objeto de metal lhe usurpava uma oportunidade de se sentar. Outra senhora, encontrou uma forma de reposicionar a bicicleta, permitindo que se desocupassem dois lugares. Assim, tive uma prova viva e satisfatória de que é preciso sairmos do nosso estado de inércia, tão enraizada em nós brasileiros, em prol do bem coletivo. Embora ainda me lembre do caso de um amigo que certa vez repreendeu uma senhora por jogar papel pela janela do ônibus no Brasil, o que quase lhe custou engolir não apenas a propria língua, mas se ver engolido pela tamanha a grosseria frente ao seu pedido de gentileza com o meio ambiente, ainda acredito que existe salvação em nossas ações.
E já que estou neste papo de sistema coletivo, dentro de ônibus ou de trem, trago por fim a referência bem inusitada de um vídeo pontual que gosto do Osho é no qual ele
compara os humanos a passageiros e, o planeta, a um trem. O cara com ar
de espiritual, uma barba bem doida e que conta, segundo meu amigo
adepto do Budismo, com umas dez virgens à disposição, propõe o seguinte:
imagine que estamos neste planeta como numa viagem de trem, onde
algumas pessoas desembarcam (morrem) em algumas situações e outras,
embarcam (nascem), conforme seguimos viagem. O trem é bonito e
organizado, servindo de locomoção para tod@s. Aí, surge um que resolve
comer uma banana, e, por alguma razão, deixa a casca para trás antes de
saltar do trem. Em outra ocasião, um "esquecido" não levou consigo o
bagaço da laranja que ali desfrutou. Continuamente, alguém deixa uma
bela de uma porcaria de herança para @s próxim@s que sobem no trem, que
por sua vez o encontram mal cuidado e danificado. Para os mais
desavisad@s, podem pensar que se trata de uma situação normal e nada
fazem para mudá-la. Até que surja alguém, como o Coletivo de Sampa para
dar uma sacolejada na galera, ou um alemão que ache mais importante
zelar pelo bem de todos - mesmo que o fim seja ele mesmo.
Dito isso, acho que só melhora se desenhando. Torço para que sirva de
incentivo como forma de lançar um novo olhar sobre como lidamos com
nosso lindo espaço brasileiro.
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